terça-feira, 19 de julho de 2016

República de Curitiba e fobia a elevadores: veja os projetos de lei mais inusitados da Câmara

Em comum, as proposições esquisitas foram todas arquivadas antes de chegar ao plenário, por orientação da própria Casa ou de outros vereadores ou então ser inconstitucional


Eriksson Denk, especial para a Gazeta do Povo



Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo
Bebedouro de água na balada, renomear um bairro para República para surfar na onda da Operação Lava Jato, e batizar uma rua com o nome de um cachorro. As ideias podem parecer inusitadas, à primeira vista, mas já foram propostas de lei que tramitaram na Câmara Municipal de Curitiba só por vereadores que ainda estão no cargo. Em comum, as proposições esquisitas foram todas arquivadas antes de chegar ao plenário – mas nem todas pela mesma razão: normalmente a possibilidade é ser barrada por orientação da Casa ou de outros vereadores ou então ser inconstitucional.
O projeto de lei complementar 002.00002.2016, de fevereiro de 2016, do vereador Chico do Uberaba (PMN), defende a instalação de bebedouros de água potável em qualquer estabelecimento ou casa noturna que tiver uma pista de dança. A quantidade de equipamentos, de acordo com o autor, deve variar segundo estimativas de lotação do estabelecimento: um bebedouro a cada 100 pessoas, dois a cada 200 e assim por diante. O não cumprimento da determinação implica em multa de R$ 1 mil por aparelho deficiente e interdição do local até a adequação. O projeto de lei é inspirado num dispositivo em vigor desde 2007 no estado de São Paulo.
No entanto, em menos de três meses de tramitação, o projeto foi arquivado na Câmara Municipal. Segundo instrução jurídica da Casa, projeto similar é contemplado pela Lei Municipal 10.281, de 23 de outubro de 2001, que tornou obrigatória a instalação de banheiros acessíveis ao público e bebedouros nos estabelecimentos públicos ou privados e instituições financeiras – a ideia proposta por Chico do Uberaba (PMN) difere no estabelecimento de quantidade e na aplicação de multa.
O departamento jurídico da Casa e o relator do projeto na Comissão de Legislação, vereador Felipe Braga Côrtes (PSD), salientaram ainda que a via eleita pelo autor, de lei complementar, não é a adequada para essa matéria, uma vez que não se encontra entre as previstas na Constituição. “Ademais, a presente proposição viola o princípio constitucional da livre iniciativa, previsto no artigo 170 da Constituição Federal”, afirmou o relator em seu parecer. Em maio deste ano, o projeto foi arquivado.

Tramitação rápida

Esse projeto de lei complementar é um dos exemplos de iniciativas que tramitam em velocidade alta dentro da Câmara, ainda que os pareceres, no fim das contas, sejam pelo arquivamento. Diversas outras ideias de vereadores da atual legislatura (2013-2016) encontram eco similar: caem de maneira veloz sob orientação da própria Casa ou de outros vereadores, ou sob acusação de inconstitucionalidade. A norma dos bebedouros ainda se enquadra nos projetos inusitados apresentados ao longo desses quase quatro anos, ,meio esquecidos pelo debate popular na cidade.
O mais emblemático talvez seja o projeto do Bairro República (de Curitiba), em alusão ao trabalho dos procuradores da Lava Jato e do juiz Sergio Moro. Em março, logo após a 24ª fase da Operação, que envolveu busca e apreensão no Instituto Lula e depoimento do ex-presidente, o vereador Professor Galdino (PSDB) propôs a delimitação do Bairro República envolvendo as ruas Eça de Queiroz, São Luiz, a Rua dos Funcionários e a Av. Anita Garibaldi. “É de suma importância a aprovação deste projeto de lei que mostra o papel que a Justiça de 1° instância faz para o aprimoramento das instituições democráticas em Curitiba”, afirma a justificativa.
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No entanto, a iniciativa padeceu por vícios de origem. O tema compete ao poder Executivo ou a tramitação no legislativo depende de 2/3 de aprovação entre os vereadores e 2/3 de concordância entre os proprietários de imóveis na região. “Deve ser analisada a proposta com vistas aos princípios da necessidade e razoabilidade, sopesando-se a oportunidade e conveniência da alteração e consequente desvinculação de uma ou duas quadras apenas de um determinado bairro, tomando-se por premissa básica que os bairros são constituídos para serem unidades de zoneamento com funções de planejamento do desenvolvimento urbano e dos serviços públicos e sociais”, diz parecer contrário da instrução da própria Casa. O projeto foi engavetado em meados de maio.
O vereador Professor Galdino (PSDB) também é autor de dois outros projetos de cunho duvidoso. Em 2015, ele tentou denominar de Hanna Golden Lata um dos logradouros públicos da capital. “A proposta visa denominar um bem público da cidade com o nome e raça de uma cadelinha que foi e se eternizou xodó da Guarda Municipal de Curitiba, a Hanna”, explicou à época. “A Lei Municipal 8.670/1995 prevê que nomenclatura ou denominação é a forma de identificação dos bens públicos com nomes de pessoas ou referências a fatos, datas, lugares, animais, vegetais e coisas. Assim, o projeto de lei somente seria cabível se fizesse referência ao gênero do animal, como ocorre, por exemplo, com a Rua dos Papagaios, no Novo Mundo”, segundo o parecer contrário do relator, Felipe Braga Côrtes (PSD).
Também no ano passado, o vereador apresentou uma proposta para instituir o crédito de minutos pagos e não utilizados nos estacionamentos privados de Curitiba. Em 2012 e 2013 ele já havia apresentado projetos similares, também barrados nas comissões da Câmara com a mesma justificativa: compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. O projeto afirma que a iniciativa visa a criação de um banco de crédito de “horas pagas mas não utilizadas” nos estacionamentos, com o intuito de garantir que “o serviço pago seja completamente utilizado”. O parecer de 2015 também atestou pela inconstitucionalidade da medida.

Bíblias, elevadores e bônus por arma

Dois projetos arquivados recentemente, dos vereadores Chicarelli (PSDC) e Carla Pimentel (PSC), também causaram polêmica nas comissões. O primeiro pretendia obrigar a disponibilização de bíblias nas escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio. “A Bíblia é o maior bestseller do mundo, o mais vendido e mais lido do mundo. É também um livro de auto-ajuda e em alguns casos pode ser usado como consulta. A Bíblia não pode ser vista apenas como um livro religioso”, explica o autor, Chicarelli (PSDC). Já o projeto da vereadora Carla Pimentel (PSC) propôs a leitura bíblica nas escolas públicas e privadas de Curitiba, “visando proporcionar conhecimento cultural, geográfico, científico e histórico dos textos”.
Os dois projetos, no entanto, foram suspensos por contrapor dois pontos principais, segundo a legislação vigente: o caráter laico do Estado brasileiro; e, em relação às escolas públicas, a administração é de competência do Executivo, através da Secretaria Municipal de Educação.
Já o vereador Jorge Bernardi (Rede) tentou aprovar a obrigação da instalação de geradores de energia elétrica, com capacidade de acionamento imediato, em todos os prédios da cidade. “São correntes os casos de pessoas que ficaram presas em elevadores por falta ou queda da energia elétrica, algumas tiveram que suportar várias horas aguardando a chegada dos técnicos do Órgão Responsável para serem retirados. É descrito pela medicina os casos de fobia de elevadores desencadeados, muitas vezes, por experiências traumáticas de parada entre um andar e outro até o restabelecimento do fornecimento de energia, o que, como já dito, pode se alongar por horas. [...] Há registro de mortes por infarto por conta da falta de energia elétrica que desativou todos os elevadores”, afirmou o vereador em seu relatório.
O projeto foi devolvido ao autor porque há uma Lei Municipal, 11.095/2004, que trata do mesmo assunto. Ainda há uma orientação por parte da instrução jurídica sobre o princípio da razoabilidade, pois a norma proposta atribui a obrigação da instalação de geradores de energia nos elevadores em todos os edifícios, independendo o número de pavimentos.
Por fim, o projeto de lei 005.00188.2013, do vereador Beto Moraes (PSDB), institui o sistema de bônus e pontuação por merecimento aos Guardas Municipais pela apreensão de armas. “Considerando o elevado índice de homicídios praticados com armas de fogo, indicando a existência de um considerável número de armas circulando portadas ilegalmente; considerando a necessidade de incentivar os policiais a combaterem eficazmente o porte ilegal de armas e munições; e considerando que os portadores de armas e explosivos ilegais, via de regra, o fazem com o propósito de delinquir”, justifica o autor. Projeto de lei similar fora apresentado e arquivado pelo vereador Serginho do Posto (PSDB) na atual legislatura e pelos ex-vereadores Ney Leprevost e Reinhold Stephanes Jr, em anos passados.
Segundo entendimento da Casa, todos eles foram arquivados por ir contra a Lei Orgânica Municipal, que diz que são competências exclusivas do Executivo a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta, autárquica e funcional do município e aumento de remuneração dos servidores.

Confira outras propostas arquivadas

Projeto de Lei Complementar 002.00015.2013, do vereador Chico do Uberaba (PMN): “Fica criado no Município de Curitiba, o sistema compartilhado de imagens obtidas de câmeras privadas para utilização pelo sistema municipal de monitoramento para fins de segurança pública”. O projeto foi arquivado pela Câmara Municipal pela falta de indicação da fonte de custeio. O legislador não pode gerar custo à cidade sem orientar o recurso.
Projeto de Lei Ordinária 005.00002.2016, do vereador Chicarelli (PSDC):“Proíbe a utilização de fogos de artifício com efeitos sonoros pelo poder público do município em eventos e inaugurações”. A ideia foi devolvida ao autor porque tramita na casa um projeto bem similar.
Projeto de Lei Ordinária 005.00004.2014, do vereador Chicarelli (PSDC):“Fica vedada a distribuição e a comercialização de bebidas alcoólicas em embalagens plásticas (PET e PP), em qualquer dimensão”. “O projeto de lei municipal do vereador Chicarelli, apesar do louvável objetivo de preservar a natureza, não se mostra o meio mais adequado para alcançar tal fim, por restringir a livre iniciativa de empresas nacionais e estaduais que comercializam seus produtos em Curitiba”, afirmou o relator do parecer contrário da Comissão de Legislação, Helio Wirbiski (PPS).
Projeto de Lei Ordinária 005.00008.2016, de autoria coletiva: “Fica declarada ‘Cidade Irmã de Curitiba’ a cidade de Haiphong, no Vietnã, com o objetivo de fortalecer os laços de amizade, solidariedade e cooperação entre os povos das duas comunidades”. O projeto visa incentivar laços de intercâmbio cultural e tecnológico, no entanto um parecer da procuradoria jurídica da Câmara Municipal apontou a ausência de “aceite formal e retribuição da honraria” pela cidade de Haiphong, o que suspendeu a aprovação por enquanto.
Projeto de Lei Ordinária 005.00011.2015, do vereador Chicarelli (PSDC):“Constitui desperdício de água tratada o consumo desnecessário e exagerado ou a negligência no seu aproveitamento”. O projeto prevê multa para quem lavar a calçada com uso contínuo de água e manter torneiras e canos com vazamentos. Os cidadãos ficariam conhecidos como “fiscais do desperdício d’água”. O projeto teve parecer favorável da Legislação, desfavorável na Comissão de Serviço Público e favorável no Meio Ambiente. A ideia está em tramitação e aguarda votação plenária.
Projeto de Lei Ordinária 005.00031.2015, da vereadora Carla Pimentel (PSC):“Fica determinado que a Administração Pública Municipal de Curitiba, bem como os prestadores de serviços na área de transporte, tenham instalado o GNV (Gás Natural Veicular) em todos os veículos pertencentes à frota de forma a atender à totalidade, no prazo máximo de cinco anos”. O projeto de lei foi barrado porque é de atribuição do Executivo esse tipo de proposta.
Fonte: Gazeta do Povo

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